sábado, 2 de maio de 2009

Os marranos de Belmonte

Estiveram durante séculos e séculos escondidos do mundo. Até que há pouco tempo deram-se finalmente a conhecer e desde aí foram estudados como um fenómeno. Hoje já podem rezar numa sinagoga digna desse nome e o próprio Estado de Israel, cauteloso por norma, reconheceu a especificidade de uma comunidade única. Belmonte fica situada entre as cidades da Covilhã e da Guarda, mesmo nas barbas da Serra da Estrela. À primeira vista, Belmonte é uma vila antiga, bela com os seus monumentos e pacata com a simplicidade e simpatia de uma localidade do interior. A tradição e o orgulho são comuns nos habitantes que convivem com as marcas da História. Por ali passaram os romanos e deixaram a Torre Centrem Cellas (uma vila romana com mais de mil anos), um dos mais representativos e enigmáticos monumentos da época romana na Beira Interior. Posteriormente, em 1496, Fernão Cabral, pai do grande navegador português Pedro Álvares Cabral, recebeu por doação a Vila de Belmonte. Actualmente, o descobridor do Brasil tem nome de rua e uma estátua de bronze num lugar privilegiado no centro da vila. Mas outra grande história de Belmonte é a da sua comunidade judaica. Marranos, cripto-judeus, judeus secretos ou simplesmente judeus. Há quinhentos anos, com o tratado de expulsão dos judeus da península Ibérica, muitos deles para não abandonarem as suas terras converteram-se em cristão, persuadidos pelo rei D. Manuel I que criou uma lei que não permitia castigar os judeus convertidos, ou seja, os baptizados pela Igreja. Passaram então a usar uma nova nomenclatura, Cristão-novo. Muitos resistiram e continuaram a praticar o Judaísmo em grande secretismo, transmitindo a religião por via oral, através das mulheres, sem o apoio de livros e rabinos, recorrendo somente à memória. Mas o tempo levou-os a um afastamento da ortodoxia judaica nas práticas religiosas, misturando fases do Catolicismo e criando uma nova tradição, uma religião dupla, ou melhor, uma natural simbiose. Tão natural que perdura ou perdurou na sua totalidade até há muito pouco tempo. Na era da tecnologia, da comunicação, com a Internet a bater às portas do comum cidadão, esquece-se a força das tradições e às vezes a própria história. Descobrir que ainda existe no começo do século XXI, num país democrático da Europa, uma comunidade judaica, a única e última em Portugal – que vivia até há muito pouco tempo dentro de uma religião dupla, praticando o Judaísmo com o mesmo secretismo que na época da Inquisição, é à primeira vista inacreditável!
Fonte: Excerto de: "Os Judeus de Belmonte" por Cristina Machado

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